Resumo: A obra de Pessoa está ainda, em parte, por conhecer, no que respeita à prosa.
A edição da poesia é uma longa e tortuosa história que vou tentar contar, desde as edições da Ática, nos anos 40, até aos nossos dias.
Fiz parte de uma comissão que, em 1985, propôs a urgente formação de uma equipa que procedesse a uma edição crítica da obra pessoana, que realmente se constituiu (recusei integrá-la). Foi baptizada Equipa Pessoa. Desde a sua primeira publicação, em 1990 – Poesia de Álvaro de Campos – que me insurjo (em vários artigos publicados, nomeadamente na Colóquio-Letras,e no prefácio da minha edição, pela Assírio & Alvim, da Poesia de Álvaro de Campos) contra o método desfigurador usado por essa Equipa para a fixação do texto, designado crítico-genético, que se estenderia a todas as suas publicações. (O orientar da Equipa, Professor Ivo Castro - um linguista , especialista de textos medievais - escreveu um opúsculo, Editar Pessoa, em que advoga que, para realizar esse trabalho seria preciso não ter da obra pessoana qualquer conhecimento para manter uma atitude de fria objectividade na aplicação do método que propôs!)
Toda a Equipa, assim orientada, meteu mãos à obra de reescrever o texto pessoano, alterando-o sistematicamente com a inclusão das “variantes” – alternativas à palavra, ao verso ou à frase que Pessoa tinha o hábito de acrescentar, às vezes seguidamente, no momento da escrita, outras quando o relia, em cima, em baixo, na margem. Fiz a experiência - que referi publicamente nesses meus artigos em que alertei para o crime de lesa-cultura que tal método representa – de comparar o tratamento que Pessoa deu às variantes dos seus escritos, quando os publicou na revista Athena, com aquele a que a Equipa Pessoa os submeteu sistematicamente e provei que Pessoa se comporta diferentemente, não substituindo, como eles, a palavra, verso ou frase pela variante encarada: umas vezes mantém o que está na linha corrida, ignorando a(s) variantes, outras substitui a(s) palavra(s) por outra(s) diferente(s) e só, ocasionalmente, prefere a variante. (Acrescente-se que já de si eleger a última variante é manobra falível porque Pessoa chegava a escrever oito!)
A (destruidora) acção da Equipa Pessoa exerceu-se durante anos sobre uma vintena de publicações.
Acção ainda mais nefasta viria a ser perpetrada pelos seguidores do método da Equipa, em edições comuns, que agora estão a ser dadas à estampa. Nos últimos anos, depois da Equipa Pessoa ter cessado funções, um dos seus colaboradores mais directos começou a orientar edições pessoanas, com o texto adulterado pelo dito método, numa editora de grande público, a Tinta da China, sem que o leitor incauto se aperceba dos tratos de polé a que foi sujeito.
E assim vai a cultura neste jardim “à beira mar”!