Comunicação da académica Senhora D. Maria Fátima Bonifácio, intitulada Um Mundo sem trabalho.
Nos últimos dois ou três anos, muito se tem especulado sobre as potencialidades de um Rendimento Básico Universal - RBU (ou Incondicional – RBI) para proporcionar lazer e felicidade que transformem a vida humana num perpétuo recreio. Estranhamente, o debate sobre as virtualidades da adopção de uma tal medida tem decorrido à margem da muito provável possibilidade de dois terços da população do mundo desenvolvido ficarem sem emprego dentro de vinte ou trinta anos, em consequência do progresso tecnológico. Os entusiastas do RBI encaram-no geralmente como uma libertação do pesado encargo de trabalhar para obter um salário ao fim do mês. Em qualquer caso – seja para proporcionar uma vida leve e agradável, seja para aliviar a pobreza, seja para elevar o Estado Social a um patamar superior – um mundo sem trabalho, ou em que este seja opcional, ou em que não haja emprego para a grande maioria dos mortais, implicaria uma ruptura brutal com a ética burguesa nascida nos burgos europeus medievais; implicaria um corte radical com toda a civilização burguesa, a primeira, na história da humanidade, que dignificou e valorizou o trabalho não apenas como meio de acesso a um rendimento, mas também como uma actividade dotada de intrínseca virtude. A verificar-se esse corte, o hipotético admirável novo mundo sem trabalho acarretaria uma revolução não apenas cultural ou civilizacional, mas também antropológica.