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ID da reunião: 834 6037 9073
Senha: 123456
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Jangada de Pedra: das derivas do passado às derivas da actualidade
Rui Dias, Universidade de Évora, Instituto de Ciência da Terra
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Stone Raft: from das past drift to the actual drift
Rui Dias, Évora University, Earth Science Institute
Em 1986, numa altura em que Portugal e Espanha aderiam à Comunidade Europeia, José Saramago publicou o livro Jangada de Pedra no qual a Península Ibérica entrou num processo de deriva que a afastou do resto da Europa aproximando-a dos continentes meridionais. Sem que o soubesse, propunha devolver a península às suas origens mais remotas, que só fazem sentido quando vistas na imensidão do tempo geológico.
120 anos antes Jules Vernes escrevia Viagem ao Centro da Terra no qual, utilizando algumas das ideias então em voga sobre o interior do nosso planeta, levou o Professor Otto Lidenbrock e os seus dois companheiros até ao interior do nosso planeta.
Em ambos os casos dois romancistas exploravam algumas das ideias dominantes da forma como a Ciência sua contemporânea via a dinâmica do nosso planeta. Como não podia deixar de ser, os progressos científicos reflectidos nestas obras são evidentes, destacando-se em particular a transição de uma visão fixista para uma aproximação mobilista da compreensão do funcionamento da Terra.
Esta não foi uma transição fácil, alternando longos períodos caracterizados pelo lento acumular de novos dados/propostas (no que é por vezes designada de fase Baconiana), com curtos momentos de síntese (nas chamadas fases Darwinianas), nos quais surgem modelos capazes de integrar uma significativa quantidade das observações existentes. Se a publicação em 1915 do livro A origem dos continentes e oceanos de Alfred Wegener, marca de algum modo o surgimento da deriva continental, a conferência Penrose de 1969 em Asilomar na Califórnia marca a aceitação generalizada da Tectónica de Placas pela comunidade científica.
É de destacar que a grande teoria unificadora da Geologia, surge mais de 100 depois da Teoria da Evolução, o que se deve essencialmente a dois constrangimentos da tectónica: por um lado, a maior parte dos processos que estuda são de tal maneira lentos que não podem ser observados à escala da vida humana e, por outro, envolvem volumes tão grandes da Terra que impedem a observação directa de muitas das suas componentes.
Mas, tal como sempre acontece em Ciência, o conhecimento dos processos associados à Tectónica de Placas não tem parado de evoluir. 100 anos depois do livro de Wegener e 50 anos depois da conferência, estamos a viver um novo período de enormes transformações sobre o que pensamos acontecer no interior do nosso planeta e na forma como isso se reflecte na dinâmica das placas tectónicas. Na última década a evolução do conhecimento do comportamento das camadas internas do nosso planeta, possibilitada pelo desenvolvimento de novos métodos de estudo, tem levado a profundas alterações da forma como a dinâmica da Terra é encarada. A ênfase nas células de convecção lineares e na movimentação das placas tectónicas expressa nos ciclos de Wilson, tem evoluído lentamente para uma aproximação onde as enormes plumas convectivas (quentes e frias) e o ciclo dos supercontinentes aparecem como processos dominantes. Apesar das grandes dúvidas que continuam a subsistir, esta transformação tem permitido uma visão mais integradora, onde os processos tectónicos e de evolução da Vida na Terra surgem, não como processos isolados, mas sim como complementares.
Tal como sempre acontece nestes períodos de profunda transformação do conhecimento científico, estamos a viver uma profunda dicotomia entre o que a comunidade científica pensa sobre a tectónica de placas, e aquilo que continua a ser ensinado a nível do ensino formal e não formal. Urge reflectir sobre a forma de ultrapassar este desfasamento e evitar que ele continue a aumentar.