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A TOLERÂNCIA, “APANÁGIO DA HUMANIDADE"
1. Comunicação do académico Senhor Acílio da Silva Estanqueiro Rocha, intitulada "A tolerância entre a intolerância e o intolerável".
“Pensar a tolerância” exige um exercício crítico sobre a emergência e o transcurso da própria ideia de tolerância; essa indagação filosófica mostra que a tolerância surge como um difícil percurso num caminho pejado de escolhos, por entre a intolerância e o intolerável; e, se aquela é um obstáculo sempre a superar, o intolerável é o que se subtrai ao consenso conflitual do “viver-comum”, aquilo que exclui a possibilidade de ‘respeito mútuo’, – o irrespeitável. Neste sentido, a Carta sobre a Tolerância (1689) de Locke, publicada anonimamente, é um texto essencial de fundamentação filosófica, como o foi também o livro Da Tolerância: comentário filosófico (1686), de Pierre Bayle, escrito sob pseudónimo, com a qual se pretendeu dar uma resposta teórica a uma das tragédias de nossa história – a revogação do Édito de Nantes (1685); e como o foi ainda, na peugada de outros escritos filosóficos, Sobre a Liberdade (1859), de Mill, uma das defesas mais intransigentes da liberdade de expressão na história das ideias.
A tolerância pensada pelos clássicos continua a estar à prova, como as tensões do mundo de hoje o patenteia. Todavia, duas formas pervertidas de tolerância emergem: a ‘indiferença’, que é uma espécie de ‘tolerância por defeito’, e a ‘indiferenciação’, que faz "virar o respeito de todas as diferenças num elogio da diferença pela diferença" (Ricoeur), nivelando assim todos os valores. Ora, uma tolerância sem limites torna-se inviável. Recordemos Voltaire, que dizia dos intolerantes: “Que eles comecem por não serem fanáticos, para merecer a tolerância!” Hoje, Popper, Bobbio, Rawls, e outros, pensam a tolerância perante as novas modalidades do ‘intolerável’.
2. Comunicação do académico Senhor José Luís Brandão da Luz, intitulada "Uriel da Costa: um caso-limite de intolerância".
Uriel da Costa (1584-1640) nasceu no seio de uma família bem-nascida de cristãos-novos do Porto, onde foi «criado fidalgamente» na religião católica. Uma sucessão de crises religiosas levou-o à conversão ao judaísmo, que depois foi evoluindo na direção de um deísmo naturalista. É principalmente conhecido pela pequena obra Exemplar humanae vitae, que escreveu imediatamente antes de por termo à vida, em Amesterdão, onde passou a residir quando saiu de Portugal. Nela podemos encontrar, a par de uma apresentação simplificada do seu drama existencial, uma exposição resumida das suas conceções fraturantes contra a imortalidade da alma e a vida eterna, contra o caráter divino da Lei de Moisés e das leis religiosas, em geral, assim como a defesa do primado da lei natural e da religião nos limites do que a reta razão estabelece. Em toda a trajetória vai emergindo uma ideia autónoma de razão, já própria da modernidade, que organiza o mundo e a ação humana a partir apenas da clarividência das suas conceções ou hipóteses de trabalho. Trata-se de uma nova perspetiva que entra em confronto aberto com a ideia de razão como lugar da revelação das verdades eternas, o que de algum modo explica o clima de absoluta intolerância que marcou a relação de Uriel da Costa com os sábios da nação de Israel, que por três vezes o condenaram nas suas sinagogas.